“ SENHOR DOS MILAGRES, UM ANGOLANO PATRONO DOS PERUANOS”!
É uma história praticamente desconhecida, mas o embaixador de Angola no México, Jaime Gonçalves, e
o presidente da Identidade Nacional Peruana, Luís Lerggios, recuperam- na no documento “Senhor
dos Milagres – Legado Monumental de Angola ao Cristianismo Universal”.
O primeiro episódio passa-se algures no que é hoje Angola, em 1625, ano provável do nascimento do Homem que a História registaria como Pedro Dalcon. O mundo estava, então, em plena época esclavagista, com milhares de africanos a serem capturados e enviados para o continente americano.
Apanhado neste turbilhão, Pedro Dalcon chega, em 1649, a Lima, capital do vice-reino do Peru, na costa do Pacífico e enviado para Pachacamilla, um lugarejo formado por “índios destribalizados, escravos desenraizados, alguns aventureiros cadastrados na justiça e mulheres de reputação duvidosa”, segundo o estudo referido.
Foi em Pachacamilla, onde os “negros da casta dos Angola constituíram uma confraria”, da Irmandade do Senhor dos Milagres, que aconteceu o que muitos ainda hoje encaram como um “milagre”: dois anos depois da chegada de Pedro Dalcon ao Peru, relata o estudo co-produzido pelo representante de Angola no México, a “Graça Divina” apoderou-se “da humilde e tosca mão” do escravo angolano, e fá-lo pintar numa parede de adobe da confraria um Cristo Crucificado ao estilo renascentista (posteriormente seriam acrescentados por outros pintores as figuras da Virgem, de Maria Madalena, de Deus e do Espírito Santo).
Este acesso místico deu origem a um dos maiores símbolos da cultura peruana – o Senhor dos Milagres, também conhecido por Cristo de Pachacamilla, Cristo das Maravilhas ou Cristo Moreno. O que não passava de uma simples pintura, foi ganhando um simbolismo enorme à medida que lhe começaram a ser atribuídos poderes sobrenaturais. A fama da imagem começou a ganhar forma a 13 de Novembro de 1655, dia em que a região foi assolada por um forte terramoto.
No epicentro do sismo, Pachacamilla ficou totalmente arrasada. Para surpresa de todos, de pé, no meio dos escombros do precário edifício onde os angolanos se reuniam, erguia-se a frágil parede de adobe com a pintura de Pedro Dalcon.
Os episódios foram-se sucedendo com a comunidade negra, a primeira a aderir ao culto da imagem, a testemunhar alegadas curas sobrenaturais.
Em 1670, alertado por uma escrava para os “milagres” associados à pintura, António de León, encarregado da Paróquia de San Sebastian de Lima, protege a imagem com uma ramada e constrói um altar de adobe, “redescobrindo-a”, depois dos angolanos terem abandonado o local. Gravemente doente, começa a venerar o Cristo crucificado. “Após fervorosa oração dedicada ao ‘Cristo Moreno’, vi-me livre de todos os meus males”, escreveu na altura, num testemunho recuperado na investigação “Senhor dos Milagres– Legado Monumental de Angola ao Cristianismo Universal”.
A Irmandade do Senhor dos Milagres conta ainda que foi a partir deste episódio que aumentou consideravelmente a “devoção” à imagem, com os fiéis a fazerem, “todas as noites de sexta-feira “romarias com músicas” até ao lugar da antiga confraria dos angolanos.
Até ali alheada do que acontecia em Pachacamilla, a Igreja peruana resolveu intervir e ordenar a proibição do culto e, mais tarde, a destruição da imagem. Seguiram-se uma série de “sinais divinos”, comenta a Irmandade. Quando se preparava para destruir a pintura de Pedro Dalcon, um pintor índio contratado para essa destruição, foi repentinamente acometido de fortes tremores, caindo desmaiado. Na segunda tentativa, ficou com os braços paralisados. Pensando que o índio estava em conluio com os devotos da imagem, as autoridades eclesiásticas instruíram então um soldado para apagar de vez o fresco. “Ao acercar-se da imagem”, contou mais tarde o protagonista da história, viu que “ela tomava vida”, olhando-o “fixamente”, e com a “coroa de espinhos sobre a cabeça de Cristo a tornar-se verde, como se os ramos tivessem sido cortados recentemente”.
Nessa tarde primaveril, contam os relatos da época, abateu-se sobre o local uma forte e inesperada chuvada. Face aos sinais, e sob intensos protestos dos fiéis, a Igreja desistiu de destruir a imagem e celebrou a primeira missa no recinto a 14 de Setembro de 1671, dia da festa da Exaltação da Cruz.
Mas a história não acaba aqui. No dia 20 de Outubro de 1687, pelas 4 horas e 45 minutos, uma nova catástrofe abala Lima: um forte terramoto de 15 minutos destrói parte da cidade e o porto de Callao. À semelhança do que aconteceu no primeiro sismo, a parede de adobe com a imagem resiste ao abalo.
Uma réplica da pintura de Pedro Dalcon é, então, imediatamente reproduzida e levada em procissão pelas ruas destroçadas de Lima. A história repete-se em 28 de Outubro de 1746, quando mais um terramoto deita abaixo parte da capela e do mosteiro entretanto construído em honra do Senhor dos Milagres.
A imagem escapa ilesa. A importância da pintura fez com que, em 21 de Setembro de 1715, as autoridade elegessem o Cristo Moreno como Patrono de Lima. Passou a chamar-se, oficialmente, “O Senhor dos Milagres das Nazarenas” (o Colégio das Nazarenas ficou com a guarda e custódia da imagem que está, até hoje, no Altar Maior do seu Santuário).
Em 15 de Outubro de 2005, Bento XVI designou o Senhor dos Milagres como o Patrono dos Peruanos.
Fuente: Internede