HISTÓRIAS INFANTO-JUVENIS DA TRADIÇÃO AFRICANA
Aos meus filhos, sobrinhos, netos, sobrinhos netos!
INTRODUÇÃO
As fábulas, histórias e lendas, contadas ás crianças Africanas,
ao anoitecer, em grandes e animadas rodas, quase sempre tendo como personagens os bichos da floresta, invariavelmente encerram uma lição de vida, ou a exaltação de um valor moral.
Poucas histórias têm como objetivo único divertir; o motivo principal dessa tradição oral, é fazer das lendas e fábulas, um dos alicerces da educação das crianças.
Além dos valores que exaltam, e das lições de vida que encerram, orientam também sobre regras de conduta, no âmbito pessoal e tribal.
Justificam ainda, de uma forma coerente, amizades e inimizades entre os bichos, fenômenos da natureza e acontecimentos do dia a dia, no contexto da vida na tribo e no mato, bem como as relações do homem com os outros seres vivos.
A seleção de histórias que se segue, foi coletada entre diversas tribos angolanas, e transcrita com o cuidado necessário, para manter inalteradas as mensagens que nos propomos transmitir.
Porque gatos e ratos são inimigos
O rato andava passeando pela floresta quando, ao passar na casa do coelho, como não visse ninguém lá dentro, nem sinais de que o morador lá estivesse, resolveu entrar para ver se encontrava alguma comida.
Entrou, viu tudo, gostou e decidiu que aquela era uma boa casa para ele morar, e que ficava com ela.
Passado algum tempo o coelho voltou, e, vendo pegadas estranhas na entrada da casa, cautelosamente perguntou quem estava lá.
O rato respondeu que era o homem que assustava o leão, matava o búfalo e derrubava o elefante.
O coelho assustado, afastou-se e foi procurar ajuda; encontrou primeiro o leão, a quem contou o que se estava passando, e cuja intervenção pediu.
O leão, solícito, acompanhou o coelho até a sua toca, e chegando lá, bateu à porta e perguntou quem estava na casa. O rato, mudando a voz, repetiu que era o homem, que assustava o leão, matava o búfalo e derrubava o elefante.
E o leão assustado afastou-se e foi embora.
A seguir o coelho encontrou o búfalo, contou toda a história, e pediu ajuda ao respeitável animal, que, solidário embora mal humorado, também o acompanhou até a casa.
À porta da casa do coelho, perguntou quem estava lá dentro e a resposta do rato foi igual.
O búfalo com medo de ser morto, também fugiu. O coelho foi então procurar o elefante a quem encontrou tomando banho no rio, e que depois de ter escutado toda a história, resolveu acompanhar o coelho e solucionar o caso de uma vez por todas.
Chegou à casa do coelho, bateu com as suas pesadas patas no chão, fazendo estremecer toda a terra, levantou a enorme tromba, e perguntou quem estava na casa.
Mais uma vez o rato imitou a voz do homem e deu uma resposta igual às anteriores.
O elefante, acreditando que era mesmo o homem, pois não se havia assustado, achou preferível ir embora.
O coelho então ficou desanimado; já se via sem a sua casinha de que tanto gostava, e foi chorar e lamentar-se à sombra de uma grande árvore.
Nisso, o gato que por ali passava, vendo o coelho tão desconsolado, resolveu ir falar com ele, para saber o que se passava, e se podia ajudar em alguma coisa.
O coelho, sem qualquer esperança, contou tudo o que com ele acontecera, e como havia pedido ajuda aos bichos mais fortes da floresta, sem qualquer resultado.
O gato então ofereceu-se para ir à casa do coelho e dar uma olhada; quem sabe poderia ajudar?
E lá foi, com o seu andar silencioso de felino. Quando já estava bem próximo, em vez de perguntar quem estava lá dentro, começou a farejar a entrada e em volta da casa.
Concluindo que era apenas um rato, entrou de supetão com as afiadas garras de fora, e aterrorizou o rato que, com um altíssimo guincho de pavor, fugiu para nunca mais voltar.
“E é por isso, que até hoje, os ratos não têm medo dos animais grandes, mas têm muito medo dos gatos”.
A sabedoria do mundo
No começo do tempo, uma coruja decidiu certo dia, guardar dentro de uma cabaça, todo o conhecimento e sabedoria do mundo, para só ela ter esse poder, e assim todos os bichos da floresta dependerem dela, sempre que quisessem saber ou conhecer alguma coisa.
Depois de reunir todo o conhecimento e sabedoria, colocou dentro de uma cabaça, tampou muito bem tampada, segurou-a com as garras e voou para o alto de uma árvore grande, onde a cabaça podia ficar escondida e inacessível a todos os outros bichos.
Só que, como segurasse a cabaça com as garras, não conseguiu pousar nem se segurar nos galhos, e voou então de novo para o solo, para pensar num outro sistema.
Nesse meio tempo, grande número de bichos já se estava reunindo, curiosos pelas manobras da coruja.
No chão, a coruja pensou um pouco, e resolveu então pendurar a enorme cabaça ao pescoço, pois assim ficava com as patas livres para se segurar ao galho; pendurou e alçou vôo, mas a cabaça era muito grande e ela tinha que ficar com a cabeça muito levantada, de maneira que ficou também impossibilitada de pousar, pois não conseguia calcular a aproximação do galho.
Voltou de novo, debaixo de grande vaia e gozação dos outros bichos, até que o macaco a aconselhou a levar a cabaça ás costas, pois assim não lhe atrapalhava a posição da cabeça, nem lhe ocupava as patas. A coruja escutou o que o macaco disse, ( frase de uma sabedoria que ela não conseguira imaginar) e concluiu que era impossível guardar toda a sabedoria e conhecimento do mundo com um só bicho.
Vendo que estava sendo muito burra e egoísta, querendo fazer precisamente isso, pegou a cabaça, alçou vôo o mais alto que lhe era possível, e soltou-a. A cabaça quebrou-se ao bater no solo, espalhando todo o conhecimento e sabedoria nela contidos, por uma grande área, de maneira que cada ser vivo, poderia colher um pouquinho para si mesmo.
Por esta atitude da coruja, é que ela é conhecida até hoje, como o mais sábio de todos os animais.
“E cada ser vivo sobre a terra, tem hoje um pouco de sabedoria, e com ele sempre se poderá aprender alguma coisa.”
Porque o sol e a lua vivem no céu
Quando o mundo começou, o sol e a lua eram um casal feliz que vivia na terra, e tinham como maior amiga, a água.
Viviam passando na casa da água para a verem, cumprimentarem e saber como ela estava. Embora a água os recebesse sempre com toda simpatia, mostrando grande alegria em vê-los, nunca retribuía a visita.
O sol e a lua convidavam, mas a água desconversava e não ia.
Começaram a ficar tristes, com a aparente falta de cortesia da amiga, cuja atitude não conseguiam entender.
Resolveram assim acabar com isso de uma vez por todas, e na visita seguinte que fizeram à água, perguntaram-lhe porque ela desconversava e nunca aceitava o convite deles.
A água, então, timidamente, explicou, que ela e a família dela eram muito grandes, e nunca cabiam nos lugares aonde iam. O sol e a lua, prometeram então fazer uma casa bem grande, e quando a casa estivesse pronta avisariam à água, que estava desde já convidada, sem recusa.
Foram embora, e dias depois escolheram um lugar bem amplo, e de fácil acesso, onde deram início à construção da nova casa, que era tão grande que não dava para ver o fim, e tão alta que mal se via o teto.
Assim que a casa ficou pronta, chamaram a água que, meio a contra gosto e ainda desconfiada, não faltou ao compromisso assumido. E foi.
Chegou e foi entrando, entrando, entrando e inundando tudo, e o sol e a lua foram subindo pelas paredes da casa, e a água continuava entrando e inundando cada vez mais, e ainda havia muito mais água para entrar.
O sol e a lua já estavam pendurados no lado de dentro do teto, e a água quase tocando neles. Como eles é que tinham convidado, e era grande descortesia mandarem parar os convidados à entrada da casa, foram para o telhado.
Este porém, também acabou submerso pela água, que até hoje ainda não parou de entrar, e o sol e a lua não tiveram outra escolha, a não ser morar no céu.
“Eis a razão porque até hoje, o sol e a lua moram no céu, e a água dos rios não pára de correr.”
Lenda do pássaro abelheiro
Entre os povos de angola, quando alguém sai para colher cera ou mel, procura por um pequeno pássaro que, sistematicamente ronda as colméias, e com o seu pio estridente as denuncia.
Essa delação é explicada por uma historia que vem do tempo em que os animais falavam e entendiam todas as línguas.
Certo dia, o filho da abelha adoeceu, e esta preocupada, resolveu procurar o Tchimbanda, para diagnosticar e tratar do mal.
O Tchimbanda examinou o doente, pensou bem, e disse à abelha que, para a cura, precisava fazer um feitiço que tinha como ingrediente principal uma pena de asa do pássaro abelheiro, a qual, a abelha deveria providenciar o quanto antes.
A abelha foi rapidamente ao ninho do pássaro que, ciente do motivo da aflição da abelha, imediatamente arrancou uma das penas da asa e a entregou à aflita mãe.
A abelha levou correndo a pena ao feiticeiro, que no ato providenciou o tratamento, e em pouco tempo, o filho da abelha estava são e salvo.
Tempos depois, foi o filho do pássaro abelheiro que adoeceu, e este, igualmente preocupado, procurou o mesmo feiticeiro, a quem pediu que lhe curasse o filho.
O feiticeiro examinou, pensou um pouco, e disse ao pássaro que, para a cura do filho dele, precisaria fazer um feitiço em que entrava como um dos ingredientes mais importantes, uma asa de abelha.
Assim, se ele queria a cura do filho, deveria arrumar a asa com urgência.
O pássaro voou ligeiro, direto para a colméia, onde, mal chegou, contou da aflição por que estava passando, do diagnóstico do quimbanda, e pediu a tão necessária asa.
A abelha negou no ato, que o pássaro estava era doido, que de jeito nenhum lhe daria uma das asas, pois ficaria impossibilitada de voar.
De nada adiantou o pássaro implorar, relembrar o caso passado, nem prometer em troca da asa, o que a abelha quisesse; ela foi inflexível, não e fim de papo. O pássaro voltou ao feiticeiro, para ver se havia alguma outra coisa que pudesse substituir a asa da abelha, mas não havia, e o filho do pássaro morreu.
O pássaro então, no desespero da dor, jurou que dedicaria o resto da vida a prejudicar a abelha.
“Por isso, até hoje, ele mostra onde estão as colméias, aos homens que procuram a cera e o mel.”
Lenda do “Peito Azul” ou pássaro marimbondeiro
Em África é comum encontrar-se, perto de um ninho de “Peito Azul”, um ninho de marimbondos.
Essa freqüente vizinhança é explicada por uma lenda ou fábula, em quase tudo, idêntica à do pássaro abelheiro:
O filho do marimbondo adoece, e ele, preocupado, leva-o ao Tchimbanda que, entre outras coisas, lhe pede uma pena da asa do Peito Azul, para poder cozinhar a poção medicinal que lhe dará a cura ao filho.
O marimbondo apressa-se a ir ao ninho do pássaro que, tão logo toma conhecimento da situação, não hesita em arrancar uma pena da asa para poder salvar o filho doente, do seu amigo.
Tempos depois, é o filho do Peito Azul que adoece, e a quem o feiticeiro pede, para a poção curativa, uma asa de marimbondo.
O pássaro voa até ao ninho de marimbondo, onde aflito, conta a história, suplica, lembra o caso anterior e promete tudo, mas sem resultado. A negativa do marimbondo é firme e definitiva, e o passarinho morre.
Mas aí, o marimbondo, vendo a dor e o desespero do pássaro, e lembrando-se que, graças à atitude solidária dele, não passara por tão triste situação, arrepende-se.
Vai então, procurar o Peito Azul, a quem pede perdão pelo egoísmo demonstrado, e a quem também, em sinal de arrependimento a como atitude de remissão, promete daquele dia em diante, guardar o ninho e os filhos do Peito Azul, contra qualquer estranho que dele se queira aproximar.
Por isso que, até hoje, qualquer pessoa ou animal que, mesmo distraidamente ouse aproximar-se do ninho de um Peito Azul, em poucos segundos se vê atacado, e perseguido por muito tempo, de forma atroz, por um beligerante enxame de marimbondos.
Até outros pássaros, acham prudente colocar os seus ninhos em árvores bem afastadas dos ninhos de Peito Azul, para não irritarem os marimbondos; contudo, se perto de um ninho de marimbondos , não houver nenhum ninho de Peito Azul, qualquer pássaro faz tranqüilamente o seu, sem nada temer.
Lenda do Tchiluanda e do Rinoceronte
O Tchiluanda é um pássaro carraceiro – se alimenta de carraças, carrapatos - que invariavelmente, anda na companhia do sisudo e carrancudo rinoceronte.
É de extrema utilidade para o grande mamífero, pois além de o aliviar dos parasitas que o incomodam, alimentando-se deles, também o avisa, com o seu grasnar alto e dissonante, de qualquer presença estranha.
Essa amizade começou há muito tempo, quando no mundo todos os animais viviam em harmonia, e podiam falar uns com os outros.
Certo dia, estava o Soba dos Tchiluandas impossibilitado de voar, por causa de um ferimento numa asa quando surgiu um problema entre os seus chefiados do outro lado do rio.
O mensageiro que lhe veio trazer a novidade, exagerou na gravidade do assunto, a fim de o apressar.
A ave, naquela difícil situação, resolveu pedir ajuda a um animal grande, sobre cujas costas pudesse ser transportado à outra margem, em segurança.
Dirigiu-se primeiro ao leão que, bocejando preguiçosamente, lhe perguntou como é que um insignificante pássaro, ousava dirigir-se ao rei dos animais, para tratar de assunto de tão pouca importância.
Em seguida, o Tchiluanda, dirigiu-se ao elefante que, com um gesto de desdém na tromba e um sacudir de orelhas, lhe disse não servir de montaria para animal nenhum da floresta.
Depois o pássaro apelou para o hipopótamo que escancarando a boca numa risada, mergulhou de novo, sem querer se dignar a dar uma resposta.
E assim, de negativa em negativa, o preocupado pássaro, foi percorrendo todo o grupo de grandes bichos, até que já desanimado, se dirigiu ao rinoceronte, que mal o Tchiluanda lhe fez o pedido, acedeu com toda a boa vontade.
Os outros bichos não gostaram. Como é que ele concordava em fazer uma coisa a que todos se tinham negado?
Mas o rinoceronte, sem ligar nem um pouquinho para as críticas, abaixou-se para que a ave pudesse subir para o seu dorso, e transportou-a para a outra margem.
Os outros bichos todos, afrontados, mas sem coragem de enfrentar diretamente o rinoceronte, juraram que, a partir daquela data nunca mais se juntariam a ele, que com os seus problemas de miopia e surdez, havia de amargar a solidão.
Quando o Tchiluanda, com o ânimo dos seus comandados serenado e o ferimento da asa curado, soube do boicote, como prova de gratidão pela solidariedade, foi procurar o rinoceronte e disse-lhe:
- Você foi o único animal da floresta que se prontificou a ajudar-me quando eu mais precisava; sou pequeno e tenho pouca força, mas de hoje em diante estarei sempre em sua companhia, para demonstrar a minha gratidão e serei seus olhos e seus ouvidos, e útil em tudo o que me for possível.
“E assim, um pássaro se tornou os olhos e os ouvidos de um dos mais poderosos bichos do mato.”
A rã e o escorpião
Estava certo dia um escorpião querendo atravessar um rio, e já tinha andado muito, sem encontrar um tronco caído, sobre o qual pudesse passar, quando escutou o animado coachar de um grupo de rãs.
Dirigiu-se a elas, e com humildade, pediu à maior, que o ajudasse no seu problema, passando-o para o outro lado sobre as costas, pois para ela, seria bem simples, de tão boa nadadora que era.
A primeira reação da rã, foi dizer que não, pois, o escorpião era um bicho peçonhento, que vivia picando e matando com o seu veneno, e ela não queria correr esse risco.
O escorpião argumentou que, de jeito nenhum ia fazer uma maluquice dessas, pois como era do conhecimento da rã, ele era completamente incapaz de nadar ou mesmo boiar, e se a picasse, ele próprio morreria também, e afogado, que era a pior das mortes.
A rã ainda negou por mais um tempo, porém, os apelos à solidariedade dela foram tantos, e pareciam tão sinceros, que acabou concordando.
Foi para a margem do rio, permitiu que o escorpião subisse para as suas costas, e iniciou a travessia.
Quando estava no meio do rio, bem no ponto de caudal mais violento, sentiu a picada do escorpião.
Sabendo que lhe restava pouquíssimo tempo de vida, virou a cabeça de lado, e perguntou:
- Por que você fez isso? Agora eu vou morrer, mas você também vai morrer afogado!
E o escorpião, ciente de que a rã estava certa na sua incompreensão, respondeu:
Eu sei, mas esta é a minha natureza!
“Ninguém pode contrariar a própria natureza!”
A astúcia do cágado
Certo dia na floresta, de repente o céu começou a escurecer com pesadas nuvens, de um cinza carregado, que se avolumavam e fechavam à eminência da tempestade. Os bichos todos tratavam de correr para as suas casas, para se abrigarem.
O cágado, com seu caminhar lento, escolheu uma trilha pouco conhecida, mas que cortaria caminho para o seu abrigo, porém na aflição da pressa, não reparou numa armadilha que os homens haviam cavado no chão, disfarçada com folhas e galhos, e caiu nela.
Ficou apavorado. O buraco era muito fundo, e ele sozinho não conseguia sair, e com o temporal que dentro de pouco tempo cairia, o buraco certamente ia inundar-se e ele morreria afogado.
Estava com estes pensamentos sombrios, enquanto imaginava um meio de escapar de uma sorte tão ingrata, quando, na mesma armadilha caiu também uma onça que, furiosa e enraivecida, pulava tentando sair da armadilha, enquanto urrava a sua indignação.
O cágado observou tudo calmamente e na primeira oportunidade em que a onça parou para tomar fôlego, começou a reclamar com ela de forma enérgica, admoestando-a pelo que ele chamou de invasão de domicílio.
Como é que ela tinha a ousadia de entrar assim na casa dele, sem ser convidada, e ainda por cima com tão maus modos? A onça no início, com outras preocupações mais prementes, tentou ignorar o abuso do insignificante animal, mas como o cágado persistisse e de uma forma cada vez mais arrogante, a onça com mais raiva ainda, pulou e deu uma patada no cágado que, todo encolhido no casco, foi jogado fora e longe do buraco.
Tão logo se viu livre, o cágado reiniciou cuidadosamente a caminhada de volta à casa, indiferente à chuva que já começava a cair em grossas gotas.
“A calma sempre leva vantagem sobre o nervosismo.”
Porque o leão tem raiva do coelho
Certa tarde, no mato, fugindo de um violento temporal, o homem foi abrigar-se debaixo de uma pedra, junto de um morro.
Pouco depois, apareceu também para se abrigar e secar, o coelho. Não demorou muito, e apareceu também com as mesmas intenções, para desconforto de ambos, um enorme leão.
Ficou aquela situação constrangedora em que o homem e o coelho, a cada olhar do leão, tinham a certeza de que iriam acabar o dia como refeição do felino.
Aí, o coelho, aproveitando-se do ribombar de um trovão, disse ao homem e ao leão, que a pedra que os abrigava, cedera um pouco e ele como o mais fraco e menor dos três, iria ficar perto da saída, pois assim, se a pedra caísse, ele conseguiria escapar facilmente.
Na nova posição, já mais seguro, decidiu ajudar também o homem, e a novo ribombar, disse:
- A pedra cedeu de novo, e a chuva ainda está muito violenta, como o leão é o mais forte dos três, é melhor ele segurar a pedra, que ajudo um pouco deste lado, enquanto o homem procura um tronco de árvore, forte o suficiente para escorar a pedra.
Assim fizeram. O leão segurou com as patas dianteiras a pedra, o coelho fez o mesmo do outro lado, e o homem saiu e foi embora, livre e aliviado por ter escapado vivo.
O coelho deixou passar um bom tempo, e disse para o leão:
- O homem está demorando muito, deve sentir dificuldade em achar ou trazer um tronco bem resistente. Como você é muito forte, fica segurando a pedra sozinho, e eu vou ajudar o homem.
O leão concordou, e o coelho rápido, também se afastou do perigo e foi embora.
O leão ficou ali um tempão, a chuva já tinha parado, e ele continuava lá, durão, segurando a pedra, até que, já cansado, resolveu pular rápido para fora.
Só então viu que tinha sido enganado como um trouxa, pois a pedra, sólida, não cedera nem um pouquinho. E assim, o homem, grato,ficou muitos anos amigo do coelho, e o leão com raiva dele.
“A inteligência supera a força.
O homem, o leão e a lebre
Certa manhã bem cedo, andava o homem a caçar com os seus cachorros, quando escutou um gemido baixinho vindo do mato adiante, e resolveu ir lá ver o que era.
Encontrou um leão, já bastante enfraquecido, preso nos galhos de uma árvore baixa.
Armou de imediato o arco para matar o felino, mas o leão abrindo o olho, e com voz débil, pediu-lhe que lhe poupasse a vida, e falou na solidariedade entre caçadores.
O homem perguntou-lhe então, como é que aquilo tinha acontecido, como é que ele fora parar entre aqueles galhos, preso daquele jeito?
O leão respondeu que estava caçando, perseguindo um golungo, e quando armou o bote para o pegar, ficou preso nos galhos.
O homem, com pena, acabou ajudando-o a sair da armadilha, e o leão, já livre, pediu-lhe um dos cachorros, para se alimentar e recuperar as forças e energias.
O homem a princípio negou; gostava dos seus cachorros, que além do mais lhe faziam falta para a caça e não estava a fim de sacrificar nenhum deles, mas o leão argumentou tanto, que há vários dias não se alimentava, e que assim enfraquecido, não conseguiria chegar a lugar nenhum, que o homem concordou e lhe deu um dos cães.
O leão comeu-o, e já quase completamente recuperado, pediu-lhe também os outros cães, pois ainda ficara com fome.
O homem recusou, indignado pela ingratidão do felino, e este, arrogante e ameaçador, foi dizendo que, ou comia os outros cachorros, ou comia o homem.
Estava a situação neste pé, quando apareceu uma lebre, que apercebendo-se de tudo, resolveu salvar o homem.
Chegando mais perto, perguntou então aos dois o que se estava passando.
Os dois explicaram, mas a lebre fazendo-se de burra disse não ter entendido nada e assim era melhor lhe explicarem paulatinamente e desde o início. Virando-se para o leão disse:
- Você primeiro, mostra como tudo aconteceu até o homem chegar.
O leão não se fez de rogado, contou como vinha perseguindo o golungo, e já bem próximo como formara o pulo para o pegar. A pedido da lebre voltou a pular igual e ficou de novo preso entre os dois galhos!
Afastaram-se o homem e a lebre, jurando o homem eterna gratidão à lebre, pela sua sagacidade.
Esse dia, porem começou e continuou mal para o homem, que não conseguiu abater caça nenhuma, e não tinha carne para levar para casa.
Ao entardecer, quando voltava para aldeia, reparou que embaixo de uma moita, uma lebre estava deitada, como morta!
Pensou pegá-la e levar para comer, mas lembrando-se dos acontecimentos de manhã cedo, logo se envergonhou de seus pensamentos.
Mas com a fome que estava, raciocinou que devia gratidão a uma lebre, não a todas as lebres, e aproximou-se da moita, para pegar o pequeno animal.
A lebre, que só estava fingindo, logo pulou e disse:
- Então é essa a sua gratidão? Hoje de manhã salvei-lhe a vida, e agora você ia pegar-me para jantar.
E afastou-se com seus pulos, para nunca mais confiar em nenhum homem.
“A fome faz esquecer os acordos e as amizades.”
A mulher teimosa
Certa vez, um jovem casal, foi para o mato, e montou diversas armadilhas para caça.
No dia seguinte, ao raiar do sol, o marido ainda meio adormecido, sentiu que a mulher abandonava a casa e, deduzindo que a intenção dela era ir inspecionar as armadilhas sozinha, levantou-se e censurou-a, pois ela não entendia nada de caça, e era perigoso ir sem companhia.
Decidiu ir levar a mulher com ele, aproveitando a oportunidade para lhe ir ensinando o que sabia.
Na primeira armadilha, encontraram um antílope adulto, de porte médio, um golungo, e o marido explicou que aquele era um bicho quase inofensivo. Mataram o golungo com o facão, levaram-no para casa.
Na segunda armadilha, estava presa uma hiena, e o marido explicou, que aquele era um bicho perigoso, por ser covarde e traiçoeiro, e também porque tinha tanta força nos maxilares, que com uma mordida só, podia quebrar qualquer osso do corpo de um homem.
Porém, desde que estivesse bem presa, como era o caso, podia ser morta com o facão; infelizmente não dava para comer, pois alimentava-se de carniça, e cheirava muito mal.
Assim foram andando de armadilha em armadilha, em todas o marido aproveitando para explicar à mulher os assuntos importantes referentes à caça, que iam encontrando em cada uma. Até que, numa armadilha, viram presa uma onça, o homem, amedrontado, recuou, puxando pelo braço a mulher, e advertiu-a:
- Esse é o mais perigoso de todos os animais. Tem muita força, muita agilidade, e come as pessoas. Mesmo bem preso como está, não pode ser morto com o facão, tem que ser com uma flecha.
Disse-lhe em seguida que o esperasse ali, enquanto ia a casa pegar o arco e as flechas, que havia esquecido, e mais uma vez a advertiu para que, sob pretexto nenhum, se aproximasse da armadilha.
Mas mal o homem se afastou, a mulher pensou:
Como pode ser tão perigoso, um bicho tão bonito assim?
Parece um gato grande!
Dá até vontade de passar a mão nele.
E assim pensando, aproximou-se da onça que a derrubou com uma patada, a puxou para perto e a comeu.
“Não se deve confiar em ninguém, só pela aparência.”
A hiena e o macaco
Numa determinada época, no tempo em que os animais falavam, por causa de uma prolongada seca, seguida de chuvas que tudo inundaram, estragando as colheitas, houve fome no mato.
Os animais não tinham o que comer, deambulavam esfomeados e magros, até que acabavam morrendo de inanição.
O único bicho para quem a crise estava sendo proveitosa, porque se alimentava de carniça, era a hiena, que engordava na proporção que os outros emagreciam.
Como até os próprios cadáveres foram rareando, a hiena começou a ficar preocupada.
Um dia que não conseguiu achar nada para comer, a chefe da matilha das hienas, falou para as suas comandadas, que iria à aldeia dos macacos, roubar um pouco de comida.
As outras falaram que não, que ela não deveria ir, pois os macacos eram muito espertos, e se tivessem comida estaria certamente bem escondida, e além do mais, se a vissem, iam acabar ficando com raiva de todas as hienas.
Mas a hiena chefe insistiu, e acrescentou que ia, e traria comida, e se por acaso não conseguisse, então as companheiras estavam autorizadas a comê-la, serviria ela de refeição para o grupo, se falhasse na sua missão.
E sem aceitar outros questionamentos, dirigiu-se para a aldeia dos macacos.
Chegou lá já era noite alta, todos estavam dormindo a sono pesado. A hiena procurou por tudo quanto era canto, o possível esconderijo, mas não achou comida nenhuma, nem um pouquinho só, que desse para ela, quanto mais para alimentar todo o grupo, como ela havia prometido!
Resolveu então pegar um macaco, bem grande, que estava profundamente adormecido, e que com aquele tamanho, dava para todos comerem bem.
Pegou o macaco com jeito, mas na caminhada de volta, o macaco acordou, pulou para o galho de uma árvore e fugiu.
As outras hienas, preocupadas com a demora da chefe, e pensando que ela pudesse estar em dificuldades, decidiram ir atrás, e ver o que se passava.
Encontraram-na sentada e pensativa, do lado da árvore para onde o macaco pulara. Contou então toda a história às companheiras, mas estas, cumprindo com o combinado e acertado, comeram ali mesmo a chefe.
“Não devemos prometer, o que não temos certeza de poder cumprir.”
O sapo e o elefante
Era uma vez uma princesa, que tinha tanto de bonita quanto de orgulhosa, e que estando em idade de casar, decidiu que só o faria com o mais poderoso dos animais.
Era cortejada por todos, mas optou pelo elefante que sendo o mais forte, ela supôs ser o mais poderoso. Acertaram tudo, e o elefante foi preparar os presentes para oferecer aos pais da noiva.
Aí apareceu o sapo, foi falar com a princesa, e pediu-a em casamento. Mas esta, além de se negar e dizer que estava de casamento marcado, ainda o ridicularizou, pois disse também que iria casar com o elefante, por ser o mais forte e, portanto, o mais poderoso de todos os bichos, perto de quem o sapo era insignificante.
O sapo argumentou que não senhora, negativo, o mais forte dos animais, o elefante certamente era, mas mais poderoso não; ele sapo, era mais poderoso do que o elefante, já que este lhe servia de montaria.
Disse isso, virou as costas e foi embora.
A princesa, assim que encontrou o elefante, contou-lhe da visita do sapo, da conversa que haviam tido, e exigiu que o elefante fosse já tomar satisfações.
O elefante procurou o sapo, e encontrando-o inquiriu-o sobre o assunto. O sapo não confirmou nem negou, mas disse que esse assunto era melhor ser discutido na presença da filha do rei, já que ela é que queria o esclarecimento.
O elefante concordou, e juntos iniciaram a caminhada para a aldeia, mas a meio do caminho o sapo começou a andar muito devagar, dizendo-se cansado e incapaz de acompanhar as poderosas passadas do maior e mais forte dos animais.
O elefante, amaciado pelo elogio, e com pressa de se livrar logo dessa incumbência, que o desviava dos seus afazeres nos preparativos para o casamento, sugeriu ao sapo que subisse nas suas costas, pois assim chegariam rápido, e ele não se cansaria.
Quando chegaram à casa da noiva, e ela viu o elefante servindo de montaria para o sapo, nem quis escutar qualquer explicação.
Rompeu o noivado com o elefante, naquele mesmo momento, e ficou, em seguida, noiva do sapo, com quem acabou casando e vivendo por muito tempo.
“A esperteza vale mais do que a força. Hokko Tchimboto wafina!”
O jacaré e a onça
Uma onça sedenta, aproximou-se certa vez de um rio, para beber um pouco de água, e não reparou num enorme jacaré que, mimetizado e imóvel perto de uns arbustos, aguardava a chegada de algum incauto, para atacar e conquistar a sua refeição.
O jacaré atacou de repente, mas a onça ágil como é, conseguiu defender-se e neutralizar o fator surpresa, iniciando-se feroz luta.
Um caçador que passava por perto, escutando o impressionante barulho da refrega, aproximou-se curioso do lugar.
Ambos os bichos, vendo o caçador ali do lado, tentaram mobilizá-lo em causa própria, pedindo ajuda para imobilizar o adversário, e oferecendo futuras e promissoras alianças, um em terra e o outro na água.
O caçador a principio ficou confuso, sem saber ao certo qual a atitude mais útil a tomar, mas pensou direitinho, e concluiu que um aliado na água era de mais serventia, já que a água não era o seu elemento, e a terra sim.
Achando ser a melhor atitude a tomar, matou a onça.
O jacaré mostrou-se muito agradecido, e convidou o homem para ir a casa dele conhecer a família toda.
O homem aceitou mas mal entrou na água, o jacaré matou-o e levou-o para o fundo do rio, para ele e a família comerem.
“Pau que nasce torto, nem quando vira cinza, endireita.”
A cobra e a escolha da noiva
Era uma vez um rapaz muito pobre, que só poderia ter uma noiva, e casar com uma só mulher.
Mas, hesitava entre duas moças da aldeia, pois ambas lhe agradavam, embora tivessem gênios completamente diferentes uma da outra.
Se uma era passional e emotiva, a outra era mais decidida, se uma era mais bonita a outra era mais trabalhadora.
Pensando nestas questões, que para ele se mostravam um caso de difícil solução, foi passear no mato e, distraído nos seus devaneios, não reparou numa cobra venenosa que o picou e ele morreu.
Quando a moça passional e emotiva, teve conhecimento da morte do seu pretendente, de quem gostava muito, desesperou-se, ao ponto de tomar veneno, e morrer também. A outra ao saber da morte do rapaz, por quem também estava interessada, pegou um facão, entrou pelo mato, à procura da cobra, para a matar como vingança.
Mas a cobra que não era senão uma feiticeira disfarçada, que só pretendia ajudar o rapaz na sua indecisão, metamorfoseou-se de novo em mulher, e ressuscitou os dois.
O rapaz, de novo gozando de plena saúde e repleto de vitalidade, não teve mais dúvidas e decidiu casar-se com a que contribuíra para o salvar.
“Os homens devem casar com mulheres práticas, não fúteis!”.”
O dono das cabras
Havia numa aldeia, um homem muito ambicioso, cujo único intuito na vida, era enriquecer muito, e o mais rápido possível.
Já tinha um numeroso rebanho de cabras, mas cansado de pastoreá-las de dia e guardá-las durante a noite, de vez em quando, vencido pelo cansaço adormecia, e os ladrões roubavam-lhe algumas cabras.
O homem, em face do que para ele era uma desgraça, resolveu aconselhar-se com um velho, em cuja sabedoria acumulada em muitas décadas, confiava para encontrar a solução do seu problema.
O velho interpelado, pensou um pouco, e sugeriu que o melhor que o homem tinha a fazer, era contratar um guarda, que a troco de uma ou outra cabra, lhe tomaria conta de todo o rebanho.
Mas o homem, avarento, considerou o preço muito caro, e fingindo aceitar o conselho, despediu-se do velho sábio.
Procurou então outro velho, a quem expôs o problema, e pediu a ajuda de um conselho sábio e experiente.
O segundo velho, após pensar um pouco, disse-lhe que arranjasse um bom cão de guarda, ao qual apenas precisava dar a refeição diária, em troca de toda fidelidade e eficiência.
Este segundo conselho, embora de custo bem mais modesto, também não agradou ao proprietário das cabras, pois ainda tinha despesa, e isso ele não queria.
Novamente fingiu acatar o que o velho lhe deu e, despedindo-se, foi embora para casa.
No caminho para casa, conjeturou:
-Se o velho acha que um cão é suficiente para tomar conta do meu rebanho, um lobo também deve ser, pois, é muito mais bravo do que um cão, e tem a vantagem de se alimentar de bichos do mato, e eu não precisarei, portanto, lhe dar comida.
Assim pensou e assim fez.
Na madrugada do dia seguinte, foi para o mato, onde construiu, armou e camuflou uma armadilha para lobos, crente que a partir do dia seguinte, não mais teria problemas com o seu rebanho.
Na noite desse dia, ficou de novo de guarda ao rebanho, mas mal o sol despontou, foi inspecionar a armadilha que, para grande alegria sua, tinha capturado um belo espécime de lobo adulto.
Tirou com todo o cuidado, colocou-o no engradado, e foi para a sua casa onde o deixaria ficar até chegar a noite.
Esse dia, passou-o na maior ansiedade, louco para que chegasse a noite, antegozando a surpresa que os ladrões teriam, quando quisessem roubá-lo.
De noite, após ter recolhido as cabras ao curral, soltou o lobo e foi para casa, disposto a não dormir, para poder sair e apreciar devidamente o espetáculo, mal escutasse qualquer barulho.
Mas o cansaço venceu-o de novo, e acabou adormecendo pesadamente.
Acordou no dia seguinte, já o sol ia alto, e não se lembrando de ter escutado barulho nenhum, acreditou não ter havido qualquer problema.
Quando saiu, porém, mal pode acreditar no que os seus olhos lhe mostravam:
Com exceção de uma ou outra cabra, o seu rebanho estava completamente dizimado.
Durante à noite, o lobo e o restante da matilha, que lhe havia seguido o rastro pelo faro, haviam-se cevado com os pedaços mais macios de cada cabra.
“ Quem tudo quer, tudo perde.”
“ Não se deve tirar os bichos do mato onde vivem”.
Como o elefante adquiriu tromba
Uma jibóia muito grande, entendeu certa vez, de lutar com um jacaré também enorme, pois, tendo se encontrado os dois no rio, cada um decidiu comer o outro.
Nessa luta, o jacaré conseguiu engolir o corpo quase todo, da jibóia, mas ao fechar a boca, o rabo ainda estava do lado de fora e, cortado ficou a agitar-se no chão, enquanto o jacaré se afastava, nadando calmamente, para um lugar onde fizesse a sua demorada digestão.
Entretanto chega a beira do rio um elefante disposto a beber água, e tomar seu banho, quando vendo aquela cauda grossa se agitando sem parar, se aproximou para ver o que era, e a cauda da jibóia, sem perda de tempo, pulou no nariz do elefante, pois se continuasse assim solta, acabaria morrendo.
O elefante achou muito desaforo da parte da cauda, pular assim no seu nariz, sem pedir autorização nem nada, e resolveu esmagá-la contra uma árvore.
Mas a cauda, pressentindo o que ia acontecer, pediu muito ao elefante que não a matasse, que a deixasse viver pendurada no seu nariz, que em contrapartida, ela o ajudaria dali em diante a alcançar e comer, as ervas mais novas e tenras do chão, e os rebentos e frutos dos galhos mais altos das árvores.
O elefante, até hoje ainda acha que fica muito feio, com aquela cauda pendurada no nariz – de vez em quando, a encosta num tronco e aperta - mas ponderou na utilidade dela, e acabou concordando.
E assim, apesar de não gostar muito dela, serve-se da cauda para tudo: comer, beber, tomar banho, fazer força, ou mesmo derrubar os adversários que ousam defrontá-lo.
“Uma coisa que parece ruim, às vezes pode ser boa, se soubermos aproveitá-la.”
Uma tartaruga perspicaz
Andavam certo dia a onça e a tartaruga a passear, quando, em conversa sobre a vida que estavam levando, acabaram por concluir que, o que lhes estava fazendo falta para se organizarem direitinho na vida, era casar.
Feito isto, não perderam tempo, e dirigiram-se à aldeia mais próxima, onde, após anunciarem os seus intentos, lhes foram apresentadas as moças em idade de casar.
Como coube à tartaruga escolher em primeiro lugar, ela tratou de escolher a moça mais elegante de todas, e que por coincidência, era a filha do chefe.
A onça, que também se achava inclinada pela mesma moça, não restou outra alternativa, que não fosse escolher uma outra, que embora não fosse feia, nem por sombras se comparava em beleza, à filha do soba.
E assim ficou a escolha feita, mas não em definitivo decidida, pois a onça, não concordando com o desenrolar dos acontecimentos, procurou o chefe da aldeia, e explicou-lhe que, se por acaso, havia algum pretendente que merecia a filha dele, era ela a onça, pois era muito melhor caçadora que a tartaruga.
A tartaruga nada objetou, mas no dia seguinte, logo pela manhã, saiu do arimo em direção à mata, e a quem perguntava onde ia, respondia que ia caçar alguns insetos, única caça para qual se sentia apta.
Mal se achou perto de um bebedouro natural, encheu um cesto com pedras, e sentou-se do lado.
Passado algum tempo, duas palancas que por ali passavam, a caminho do bebedouro, vendo-a perguntaram-lhe:
- Escuta tartaruga, é você sozinha quem vai carregar essas pedras todas?
Você tem força para tanto peso?
Ao que a tartaruga respondeu:
- Tenho força para este peso, e ainda conseguiria levar vocês duas junto com as pedras!
Os enormes antílopes riram, e duvidaram do que a tartaruga dizia. A tartaruga então, aparentando disposição para tirar qualquer dúvida, convidou-as a sentarem no cesto.
As duas palancas sentaram-se, e permitiram até que a tartaruga, a pretexto de que não caíssem, as amarrasse bem amarradas.
Terminando de prendê-las, certificou-se de que estavam impossibilitadas de se mexerem, e matou-as.
Foi em seguida à aldeia, chamar alguns homens, para a ajudarem a transportar uma oferta, para o jantar do soba.
Grande admiração causou este pedido, de maneira que, a aldeia inteira se deslocou para o lugar indicado pela astuta tartaruga.
A gratidão do chefe pela oferta foi tal, que voltou a trocar as noivas, dizendo que, um bicho tão astuto assim, certamente seria bom marido para a filha dele.
“A astúcia e a inteligência vencem a força.”
A vingança da Galinha e a burrice da Raposa
A Galinha e a Raposa, tinham uma ziquizila de longa data. O’Simba, leão, o rei dos animais, cansado de tantas queixas de parte a parte, resolveu chamar as duas à sua presença, para resolver de uma vez por todas a endaka.
A Raposa, tão logo foi avisada de que deveriam ir a presença do rei, ficou aflita e correu à casa da Galinha, para que juntas atendessem à vontade do chefe.
A Galinha, vendo ao longe a Raposa se aproximando, escondeu a cabeça em baixo da asa, e quando a inimiga chegou, disse-lhe:
- Você sabe que temos que ir falar com o soba, e ainda está com a cabeça? É uma grande falta de respeito irmos nos apresentar ao nosso chefe com a cabeça!
A Raposa, perplexa, respondeu que não tinha conhecimento de tal costume, mas que a galinha lhe dissesse depressa como cortar a cabeça, que era para ela não fazer o chefe esperar.
A Galinha explicou-lhe:
- Você corre até a sua casa e pede ao seu marido para pegar um machado bem afiado e lhe cortar o pescoço, e depois vem para cá que eu fico esperando. E não fique com medo, porque depois, quando voltarmos para casa, os nossos maridos colocam-nos de novo os pescoços no lugar e voltamos a ficar como éramos antes.
A raposa, mal escutou isto, foi correndo a casa e pediu ao marido que lhe cortasse o pescoço com o machado mais afiado.
O marido da Raposa achou muito estranho, e inclusive pensou que ela tinha enlouquecido de vez, mas como a Raposa insistisse com toda a veemência e lhe explicasse o recente encontro com a Galinha, estando já esta com a cabeça cortada, e sobre a falta que representava apresentar-se assim ao superior com a cabeça no lugar, decidiu-se.
Pegou o machado, mandou que a Raposa ajeitasse bem a cabeça numa pedra e de um só golpe, decepou a parceira.
A Galinha, que tinha seguido a Raposa e de longe assistiu toda a cena, tão logo viu a Raposa morta, foi a correr a casa do Leão, a quem fingindo indignação, contou o que tinha visto em casa da Raposa, quando para lá se dirigiu, a fim de a chamar para irem juntas á audiência Real.
O Leão, realmente indignado, mandou logo prender e expulsar tão cruel marido, indigno do convívio daquele povo.
Assim a Galinha se vingou dos sustos e humilhações que a Raposa sempre lhe dera.
“Feitiço vira contra feiticeiro.”
“ Os fracos e os humildes, quando têm oportunidade também se vingam!”
Porque as cobras trocam a pele
Quando Kalunga criou o mundo, não deixou a morte vir para a terra, onde moravam os seres vivos, mas a morte queria muito vir, insistiu com Kalunga, e kalunga acabou concordando, com a condição de a morte nunca levar os homens.
Para defender os homens da morte, Kalunga confeccionou uma grande quantidade de peles para os homens, colocou num cesto, e entregou ao cágado dizendo:
- M’Baxi, vai entregar este cesto com peles aos homens, e conta para eles que eu autorizei a morte a ir para terra, mas para ela nunca os pegar, eu estou mandando estas peles novas, para os homens trocarem sempre que as deles já estiverem velhas. Assim eles ficaram sempre novos e a morte nunca os vai pegar.
O cágado pegou o cesto e partiu, mas como é um bicho muito preguiçoso, no meio da caminhada resolveu parar para dormir um pouco.
A cobra que ia passando em silencio, viu o cágado dormindo e foi espreitar o que ele levava no cesto. Viu que eram peles novas para trocar sempre que a pele ficasse velha, e levou o cesto com as peles para ela.
O cágado, quando acordou e viu que o cesto tinha desaparecido, ficou com medo de ir dizer ao Kalunga, e só contou para os homens.
É por isso que as cobras, trocam suas peles sempre que estas ficam velhas, e é por isso que os homens têm raiva das cobras, e as matam sempre que as encontram.
“O preguiçoso sempre causa prejuízo aos outros!”
N’Zambi e a metamorfose das cabaças
Havia numa aldeia Tchokué, uma mulher que, cada vez que engravidava, em vez de parir uma criança, paria uma cabaça.
A mulher, envergonhada por não conseguir dar à luz a uma criança, cada vez que isso acontecia, ia enterrar a cabaça debaixo de um imbondeiro que ficava afastado da aldeia.
Quando, pela sexta vez o destino lhe reservou a mesma sorte, a mulher desgostosa e certa de aquilo ser resultado de um feitiço que alguém lhe havia feito, migrou para outra aldeia, para ver se assim se via livre da maldição.
Certo dia, uma velha ermitã que andava pelo mato à procura de raízes e ervas medicinais, encontrou as cabaças; pensando vir a utilizá-las mais tarde, levou-as para a cubata e guardou-as.
No dia seguinte, quando a velha chegou a casa depois da habitual saída em busca de raízes, folhas e ervas, mal acreditou no que viu: a casa estava limpa e arrumada, e no lugar das cabaças havia muitas panelas com muita comida.
A velha admirou-se com a dádiva, cuja proveniência ela nem suspeitava, mas logo parou de pensar no assunto.
E o fenômeno foi-se repetindo regularmente, a ponto de se tornar rotina; a velha saía e quando retornava tinha a casa limpa e arrumada e mais provisões do que ela jamais conseguiria consumir sozinha.
Um dia, um caçador que passou pela casa da velha, conhecedor dos hábitos eremitas da anciã, admirou-se de ver à porta da casa desta, três garbosos rapazes e três lindas moças que, com o maior zelo limpavam o terreiro e preparavam as mais apetitosas comidas.
Como pouco depois encontrasse a velha no mato, perguntou-lhe, se por acaso, os jovens que tinha como visitas, eram seus netos.
A velha, sem saber do que se tratava, negou que tivesse qualquer visita, e, como a sombra do Mussôlo, estava convidativa para um descanso, e estavam sem pressa, contou ao caçador os estranhos fatos que vinham ocorrendo em sua casa, desde que encontrara as cabaças no mato.
O caçador, achando que a velha estava doida, não pensou mais na história, mas à noite, na Tchiota, contou o que vira na casa da velha e o que esta lhe contara pouco depois no mato.
Por coincidência, um dos homens que estava na Tchiota, era agora casado com a mulher que tinha parido as cabaças, e contou-lhe a história que acabara de escutar.
Ela, sabedora de tudo, decidiu ir à casa da velha, reclamar aqueles frutos que, por obra de N’Zambi se tinham transformados nos filhos que ela tanto desejara.
Os filhos é que não se conformaram; depois de terem admoestado a mãe pela vergonha que tivera deles quando ainda eram cabaças, apesar de seus filhos, renegaram-na em favor da velha que os recolheu e guardou.
A Boca e a Mão
Antigamente, quando o mundo foi criado, a Boca só falava e comia, era invejosa e ficava com toda a comida, e não dava nada a ninguém.
Começaram assim os atritos com a Mão. Discutiram várias vezes e acabaram ficando com raiva uma da outra.
Quando se aproximou a estação das chuvas, a Mão construiu uma cubata bem sólida e bem vedada, e assim que terminou, guardou nela todos os seus mantimentos, mas não os da Boca.
Com muitos mantimentos guardados, a Mão conseguiu trocar uma parte deles por uma boa quantidade de bois, que colocou no pasto, e depois plantou mandioca e semeou milho, que com boa chuva, cresceu depressa e bonito.
A Boca, que só sabia falar, só conseguiu fazer amizade com um cachorro que passou a fazer-lhe companhia e tanto se dedicou a ela que caçava e lhe trazia sempre comida.
Entretanto, passaram pela cubata uns leões de uma mesma família e comeram a maior parte dos bois que eram da Mão. Depois passaram uns macacos , um grupo bem grande, que alem de comer a maior parte do milho e da mandioca que a mão havia plantado, quebrou quase todos os pés de milho e mandioca que haviam sobrado, deixando a mão praticamente na miséria.
A Mão então, quase no desespero, foi falar com a boca, a quem pediu o cachorro emprestado para ajudar a guardar os bois que restaram e tomar conta de um restinho de plantação de milho e mandioca, evitando que os predadores se aproximassem, com os seus latidos.
A Boca argumentou que o cachorro era a única coisa que tinha na vida e que era muito valioso, pois além da companhia que lhe fazia, ainda caçava para ela e lhe trazia comida.
Mas a Mão insistiu muito no pedido, e então a Boca acabou concordando com a condição de que, se alguma coisa acontecesse ao cachorro, a Mão daria tudo o que tinha, e ainda por cima ficaria escrava dela.
A Mão, sem outra alternativa, acabou por concordar com essas exigências para poder ter o empréstimo.
Porém, a maré de azar ainda não tinha terminado, e enquanto cuidava dos bois na pastagem, o cachorro foi atacado por hienas e morreu.
Então, como combinado, a Mão para pagar o prejuízo causado à Boca, entregou-lhe o pouco que sobrou de tudo que tivera, e ficou para sempre escrava da Boca.
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MICRO DICIONÁRIO
MABECO – Cachorro selvagem africano.
SOBA – Régulo, chefe tribal.
ARIMO – Senzala, aldeia.
PALANCA – Antílope africano de grande porte.
KIMBO – (O mesmo que ARIMO) Senzala.
ONGUE – Onça.
CANDIMBA – Coelho.
QUIMBOMBO – Bebida fermentada, de fubá de milho.
GINDUNGUEIRO – Planta que dá o gindungo (Pimenta malagueta).
CONDUTO – Acompanhamento do alimento principal que é o pirão de milho
ou de mandioca.
TCHIMBANDA – Curandeiro.
GOLUNGO – Mamífero de grande porte.
KALUNGA OU N’ZAMBI – Ser supremo.
MUSSÔLO – Árvore de copa grande.
TCHIOTA – Lugar das aldeias africanas onde os homens se reúnem.
IMBONDEIRO – Árvore de grande porte.
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